STJ afasta prazo para processos contra cobrança tributária
Por: Marcela Villar
Fonte: Valor Econômico
A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu de forma favorável
aos contribuintes e entendeu que não se aplica prazo decadencial em
mandados de segurança contra a cobrança de tributos. Esse é um tipo de
processo muito usado, em geral, pelo baixo custo, celeridade e ausência de
condenação por honorários de sucumbência.
É através dessa classe processual que muitos contribuintes discutem teses
bilionárias, como a do século - a exclusão do ICMS do PIS e da Cofins - e a não
tributação dos benefícios fiscais. Em âmbito federal, é o segundo tipo de ação
que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) foi mais demandada
em 2024. Recebeu 233 mil intimações, cerca de 7,5% do total de processos no
período. Os dados são da PGFN em Números.
Os ministros negaram dois recursos do Estado de Minas Gerais. A tese do
Estado é de que deveria ser aplicada a decadência de 120 dias, prevista no artigo
23 da Lei de Mandados de Segurança, a nº 12.016, de 2009. Na visão do
governo, esse prazo se inicia no momento em que a norma tributária é
publicada. Mas os ministros rejeitaram esse argumento por unanimidade.
Segundo advogados, havia precedentes divergentes da 1ª e 2ª Turmas do STJ -
a primeira mais favorável e a segunda desfavorável ao contribuinte. O relator,
ministro Paulo Sérgio Domingues, citou um caso julgado em embargos de
divergência na 1ª Seção, de relatoria da ministra aposentada Eliana Calmon, que
já acolhia a tese dos contribuintes (EREsp 467653). Mas como não foi analisado
em recurso repetitivo na época, não teve efeito vinculante. Agora, a decisão
deve ser seguida por todo o Judiciário.
Na visão do relator, o mandado de segurança poderia ser impetrado a qualquer
momento. “A cada fato gerador ocorrido e consumado, sucederia outro cuja
ocorrência ou consumação seria iminente e que coloca o contribuinte em estado
de ameaça a lesão a direito, não apenas atual e objetiva, mas também
permanente, demonstrando o caráter preventivo do mandado de segurança pela
presença constante do justo receio”, afirmou.
A tese fixada pelo ministro foi a seguinte: “O prazo decadencial do artigo 23 da
Lei nº 12.016/2009 não se aplica ao mandado de segurança cuja causa de pedir
seja impugnação de lei ou ato normativo que interfira em obrigações tributárias
sucessivas, dado o caráter preventivo da impetração decorrente da ameaça atual
objetiva e permanente da aplicação da norma impugnada” (Tema 1273).
No mérito, os contribuintes pediam a invalidade do aumento da alíquota de
ICMS de Minas Gerais, que passou de 18% para 25% pela Lei nº 21.781, de
2015. Como as empresas entraram com mandados de segurança nos anos de
2018 e 2020, a procuradoria do Estado alegou que a decadência deveria ser
aplicada. Para o governo mineiro, as ações deveriam ter sido ajuizadas até 120
dias depois da publicação da norma.
Na sustentação oral, procuradoras ressaltaram que se esse período de dois
meses não for respeitado, haverá uma “catástrofe” no Judiciário, gerando
aumento do número de processos, além de insegurança jurídica. Na visão da
procuradora do Rio Grande do Sul (parte interessada), Fernanda Figueira
Tonetto Braga, seria “o absoluto desaparecimento do prazo decadencial”.
Turma colocou um ponto final na discussão sobre prazo decadencial”
— Marcelo Romanelli
“Seria o fim do prazo decadencial e da coisa julgada porque processos decididos
em mandado de segurança cinco anos atrás sobre o mesmo fato, tendo como
norte a mesma obrigação jurídica, poderão ser reabertos sob argumento de que
a obrigação e o trato sucesso se renova periodicamente”, disse Fernanda, na
sustentação oral.
A procuradora de Minas Gerais, Maria Cecília Ferreira Albrecht, defendeu que
“a hipótese de incidência de obrigação tributaria é inaugurada pela publicação
da lei que a prevê, sendo esse momento que deve ser considerado como marco
inicial para contar esse prazo decadencial”. Citou que os mandados de
segurança são 21% das ações ajuizadas para avaliação da cobrança tributária, de
acordo com o CNJ, e que, em Minas Gerais, existem 8,2 mil ações do tipo - 7,9
mil delas são tributárias, sendo 5 mil só de ICMS.
O advogado Marcelo Romanelli, do Papini, Notini, Canaan, Tavares e
Romanelli Sociedade de Advogados, que atuou em um dos casos analisados,
avaliou que o julgamento foi muito importante para os contribuintes. “Colocou
um ponto final na discussão sobre o prazo decadencial, para que os
contribuintes possam discutir qualquer tipo de alterações legislativas ou
majorações de alíquota através do mandado de segurança”, afirmou.
Ele concordou com o voto do ministro relator. “Defendemos que uma vez que
haja relação de trato sucessivo, que se renova mês a mês, não teria porque se
falar em decadência, porque em cada mês o tributo é devido”, disse. O
precedente será importante para dar tranquilidade às empresas na transição da
reforma tributária, acrescenta. “Poderemos discutir qualquer ilegalidade que por
ventura surgir.”
A decisão também foi elogiada pelo advogado Leonel Martins Bispo, sócio do
escritório Bispo, Machado e Mussy Advogados, que atuou no segundo caso.
"Essa decisão representa um ganho em termos de segurança jurídica, por
reafirmar uma jurisprudência histórica da Corte e afastar as decisões em sentido
contrário, que representavam uma corrente minoritária", afirmou.
Para a advogada Fernanda Rizzo, do Vieira Rezende, a decisão reafirma o
caráter preventivo do mandado de segurança. Na visão dela, foi uma
interpretação que “harmoniza a técnica processual com a realidade material,
evitando que a decadência seja usada como obstáculo à tutela de direitos
fundamentais e à efetividade da justiça fiscal”.
Procurado pelo Valor, o governo de Minas Gerais não deu retorno até o
fechamento da edição.